Eu acreditei que deveria esperar



Hoje faz duas semanas desde suas férias.

E eu continuo te esperando todos os dias.

Mamãe me contou sobre sua rotina agitada. Ela dizia que você se “afogava” em serviço e nem dava tempo de voltar para casa, e que o seu trabalho era muito importante. Eu nunca a questionei, apenas aceitava que você precisava trabalhar e nos deixar.

Claro q
ue eu sentia sua falta. Mamãe também sentia. E eu sei disso porque ela sempre chorava quando você batia a porta da frente com força. Na verdade ela esperava você entrar na sua velha caminhonete, e assim que escutávamos o barulho da partida ela se ajoelhava no chão e chorava. Um choro misturado com lágrimas e gritos, talvez mais gritos do que lágrimas. Eu não gostava de ver a mamãe chorando, porque eu sentia um nó se formar em minha garganta e eu… Chorava também.

“Onde o papai foi?” eu sempre perguntava, mesmo sabendo que teria a mesma resposta.

“Ele foi viajar, filho, não se preocupe”.

Quando você ia viajar em dois ou três dias sua caminhonete já estava de volta, mas eu não o via, pois você chegava em se trancava no quarto com a mamãe e eu não escutava nada.

Às vezes você sumia de novo e mamãe dizia que você estava de férias, e então você demorava para voltar.

Mas sabe, eu nunca deixei de te esperar…

Quando você partia eu arrastava uma cadeira até a janela da frente e ficava observando o movimento. Eu tinha a impressão de que se percebesse o quanto eu sentia falta… Bem… Talvez se percebesse o quanto eu o amo... Você me levaria contigo… Para um passeio… Para férias de família, não é isso que chamam?

O avô do Sehun me contou que a família toda vai tirar férias. Eles vão para a praia. Sehun me chamou para ir com ele, a mamãe acha que vai ser muito legal, disse que é bom para “me distrair”. Mas eu não posso me distrair, preciso ficar atento a rua e te esperar. Aliás, como posso viajar sabendo que você está sozinho por ai?

Não é perigoso?

Eu queria entender o porquê você tira tantas férias… Mamãe disse que é um serviço fácil, então você tem esse luxo, que tem o poder de viajar e deixar sua cabeça livre de tantas obrigações.

Olhando por esse lado eu sinto inveja de você. A escola é tão difícil, sabe? Queria fugir disso... A mamãe do Nic P, que também é minha professora de álgebra, tem vindo em casa me dar aulas extras. Não sei qual o meu problema, mas eu sei que há um! Vou te contar um segredo, eu ouvi a mamãe e senhora P conversando baixinho, elas diziam algo sobre “dislexia”... Parecia algo grave, pois a mamãe chorava. Eu tentei pesquisar a palavra na internet, mas eu não sabia como escrever no computador da mamãe, pois as letrinhas ficavam pulando e a tela fazia minha cabeça doer. O mesmo que acontece com os meus livros da escola, sabe? Mas não é tão intenso assim…

Queria que a escola fosse fácil e que eu pudesse tirar férias com você.

Como é estar longe? Acho que nunca fui pra tão longe… Só quando você me levou para a represa… Parece que faz tanto tempo, mas faz o que? Uns dois… três anos? Acho que essa foi a primeira e última vez que saímos juntos… E foi tão especial… Você me disse a represa era seu lugar favorito, e desde então se tornou o meu lugar favorito; mesmo que eu tenha ido apenas uma vez.

Talvez quando acabar suas férias nós possamos ir até lá. Não é uma boa ideia?




***



Hoje faz um mês que você não volta para casa.

A mamãe anda pela casa choramingando e escondendo papéis de mim. Eu não ousei perguntar, mas acredito que ela também escreve cartas pra você e o choro é de saudade. Sei que não gosta quando eu choro, mas eu chorei. Eu sinto sua falta.

O titio nos visitou esse dia. A mamãe e ele brigaram na cozinha, mas eu não consegui ouvi-los direito, pois me tranquei no quarto e fique lá. Eu não gosto de gritos. Então me escondi.

Esse dia eu não observei pela janela. Eu não te esperei. Fiquei apenas deitado em minha cama e peguei no sono. Eu me odeio por ter pego no sono, pois eu poderia ter observado da minha janela.

E se você voltou e eu não vi?

Sinto muito.

A mamãe me acordou pela manhã e me disse que iríamos embora daquela casa. A voz dela estava fanhosa, e eu imaginei que seria pela neve.

Ah, falando em neve, eu construí um boneco de neve antes de ir embora do bairro. Deixei em frente a nossa casa, como você costumava fazer, você se lembra? Eu não tinha uma cenoura para colocar no lugar do que seria o “nariz”, então ele ficou sem um nariz.

Isso me lembra Frozen.

Falando em filmes, esses dias eu tive pesadelo com aquele seu filme favorito. Eu não sei escrevê-lo muito bem, mas é aquele com vampiros e um homem forte. A batalha de Riddick, não é? Eu estava me lembrando das vezes que assistimos e pensando nos diversos biscoitos de chocolate que devorávamos enquanto o filme seguia.

Lembro que o personagem principal fazia uma promessa para a mocinha, a de que ele sempre a protegeria. O engraçado foi que ele não conseguiu, não é mesmo? Então você disse que as promessas são frágeis, e que facilmente se partem, ou seja, não podem ser cumpridas.

“Baekhyun. Nunca prometa algo a ninguém, a não ser que tenha a intenção de cumprir. Honre uma promessa com todo seu coração”.

Eu prometo honrar essa promessa.

Eu vou te esperar.




***



Suas férias duraram dois anos.

Acho que essas foram as férias mais longas que já vi! A Senhora P me contou que quando um funcionário tem várias férias acumuladas ele acaba tirando tudo de uma vez. Foi isso que aconteceu, não é?

Fiquei feliz em vê-lo novamente após tanto tempo. Esperar na janela funcionou, não é mesmo? Eu só não o entendo o porquê você continua trancado no quarto. Por que suas malas não foram desfeitas. Aliás, como você conseguiu sobreviver com apenas uma mala durante dois anos?

Você mal conversou comigo. Só passou a mão na minha cabeça e bagunçou o meu cabelo. Sei que isso é um afago, mas… Eu fiz algo errado?

Estou olhando para o meu boletim e com medo de entregar a ti. As minhas notas não são as melhores, mas eu me esforcei bastante. Parece que a mamãe fez algo errado também, pois ela está choramingando no corredor enquanto olha para a porta do quarto em que você se trancou.

Queria saber se você aproveitou as férias e agora vai poder ficar mais conosco. Será que agora você poderá me levar para a escola como fazia antes? Eu prometo que não vou fechar meus olhos durante as cenas que dão medo.

Eu já estou bem grandinho agora.

Confesso que tive medo durante muito tempo, mas agora que você está de volta eu sinto meu coração aquecido e meu corpo ganha vida. É como se eu estivesse sentindo novamente. Na verdade eu nunca deixei de sentir, pois sempre tive saudades, mas todo os tristes sentimentos se transformam agora em algo bom.

Porque você está de volta.

Eu quero muito que você me conte como foi suas férias.




***



Eu adormeci e não pude te ver partir. Sinto muito por ter feito isso, eu queria muito mesmo falar com você antes de ir.

A mamãe me disse que você não estava de férias, que na verdade você estava viajando e agora teria férias. Eu fiquei um pouco confuso, mas eu espero que possamos ter férias em família, assim como Sehun tem todos os anos.

Deve ser muito divertido! Podemos conhecer a praia, ir até a represa e até viajar para mais longe.

Mamãe também disse que vamos nos mudar. O titio esteve aqui de manhã e nos contou onde seria nossa nova casa. Eu não queria sair dessa casa, mas a mamãe disse que lá é um lugar melhor.

E se fizéssemos uma festinha de inauguração?

Ah, desculpe por escrever tão pouco, mas é que a mamãe disse que eu deveria empacotar minhas coisas.

Estou ansioso para saber das férias.




***



Essa casa é bem legal. É menor. Mas é legal. Estamos aqui há uma semana e eu já consegui conhecer quase toda a vizinhança.

Fiz amizade com o garoto que mora no final da rua, o nome dele é Mattew e ele tem a minha idade. Descobri que vamos para a mesma escola, então poderemos ir juntos no ônibus. Não é legal? Estou bem animado com a escola nova.

A mamãe preparou empanado de frango hoje para o almoço, mas você não veio. Aliás, por que não apareceu até agora? Ela disse que você voltaria para a casa com o resto de nossos móveis, mas até agora estou dormindo no colchão…

Onde está você?

Eu queria não ter que escrever pequenas cartas… Eu queria poder dizer tudo isso para você…

Confesso que estou um pouco frustrado e algumas palavras não estão saindo com facilidade. É como se eu precisasse desengasgar, mas não funcionasse.

Você sabia que a Senhora P disse que eu posso escritor? Eu não sabia que poderia seguir essa profissão, eu sei que você quer que eu seja um advogado bem sucedido, mas imagina que bacana se as pessoas puderem viajar nas histórias que eu crio em minha mente?

Lembra quando eu escrevi aquele conto de terror? Você gostou tanto que guardou dentro da sua pasta transparente de plástico… Você realmente gostou, não é?

Ah, aqui tem uma janela bem grande e eu posso observar a rua e ver se você chega.

Eu vou manter minha promessa! Eu vou te esperar!



***

A minha primeira reação ao pegar essas cartas antigas e emboloradas foi: dar risada. Sim. Eu ri da tamanha inocência do meu eu criança. Pensei em rasgar tudo e desaparecer, mas achei que essa história merecesse mais uma carta. Uma de despedida.

É claro que você não iria voltar. E eu nem acredito que te esperei por tanto tempo. Na verdade eu nem lembro como passei a aceitar que você não iria aparecer em nossa casa.

Hoje faz 10 anos desde suas “férias”. Eu nem sei se você esteve de férias, se estava trabalhando… Eu nem sei pra onde você foi.

E não tenho a menor curiosidade de saber.

Claro que meu coração se encheu de ódio quando eu percebi que você não iria voltar. Aliás, eu usei tanto “você” durante minha escrita, mas hoje eu entendo porque a mamãe nunca me deixou te chamar de pai.

Porque você nunca agiu como um.

Você é meu pai. Ajudou a me criar no começo e - confesso - me amou. Mesmo que talvez por cinco minutinhos; eu pude sentir seu amor.

Lembro da primeira vez que te chamei de papai. Você me olhou com uma expressão chorosa e me abraçou. A mamãe depois me segredou e disse que eu não poderia mais dizer aquela palavra, pelo menos não quando estivéssemos em público. E eu, criança ingênua e obediente que era, apenas acatei e segui o que ela havia dito.

Era tudo uma merda, não é? Pra você deve ter sido pior ainda… Acredito que eu nunca seria capaz de ter uma atitude como a sua… Mas… Certas coisas acontecem por algum motivo, não é? Eu ainda não sei o porquê toda essa merda aconteceu comigo e com a minha mãe, e não venha me dizer que foi erro dela, porque eu tenho certeza que ela não sabia quem você era, e que ela também não sabia da família que você tinha.

Por algum tempo eu passei a me odiar. Se eu não tivesse nascido… Bem… Talvez minha mãe não tivesse sofrido tanto. E nem mesmo sua outra mulher…

Durante minha infância eu tinha apenas uma certeza: de que você era a pessoa que deixaria tudo bem. Eu tinha uma imagem sua: a de um herói. E eu esperei que esse herói retornasse de suas férias e voltasse para mim; para que me desse a certeza de que tudo ficaria bem.

Qual era a desculpa que você usava para o meu… “irmão”?

Férias também? Bem, seria muita cara de pau.

Eu queria muito socar a janela agora. Eu odeio essa casa, eu odeio essas cartas, eu odeio essa vizinhança. Eu odeio tudo. Odeio como minha vida teve que ser. Eu odeio o que você fez conosco.

Eu acreditei que deveria esperar, porque você era meu herói; era minha única pontinha de esperança.

Foi como se tudo desmoronasse ao meu redor… Mas eu continuei aqui.

E mesmo agora com a certeza de que você nunca vai voltar, eu continuo olhando para merda da janela. Mesmo com a raiva... Eu... Eu não sou capaz de quebrar a promessa. Devo honrar, não é?

Quando você volta das férias?

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