Bogoshipo - Aos galhos úmidos



Meu coração é como um galho. Sustenta e não se compadece por aqueles que não conseguem alcançá-lo. Mas não é inquebrável. O vento forte o desconcerta, tenta afastá-lo da árvore – meu corpo – que o sustenta, mas ele não está salvo da podridão, causado pela convivência com a umidade; a vida.

Minha máquina de escrever se foi. Eles levaram. Alegaram que o barulho produzido pelas teclas era infernal. Acredito que eles não conhecem minha mente, talvez gostariam de levá-la para longe também, pois é o próprio inferno.

Então fiquei sozinho com as vozes. Já não gostava de minha cama. Eu pedia encarecidamente (e em meio aos surtos) para me deixarem ir até teu jardim. Por que não querem me deixar regar tuas raízes? Você precisa florescer. Todos precisam alimentar a semente que há aqui dentro. Eu sei que podemos oferecer coisas boas se assim fizermos.

Hoje tenho comigo pequeno caderno e uma caneta. A tinta fraca falha minha escrita. Fiz alguns rabiscos nas últimas páginas, mas mesmo assim ela não me obedece. Ora, essa caneta tem apenas uma função, a de escrever, e nem isso é capaz de fazer? Talvez não seja mais útil, assim como eu.

Eu tentei colocar mais algumas memórias nesse caderno, mas as palavras não se conectam, são mais algumas jogadas ao vento. Eu não consigo me concentrar. Nada mais faz sentido.

Eles ainda continuam a dizer que lá fora tem alguém que me ama, e eu continuo sem saber quem é, eu não tenho um palpite forte e eles jamais vão me dizer o nome.

Sei que não é você.

Por que você não está lá fora.

Está dentro de mim.

Queria ter um espelho para me ver por dentro, para poder descobrir cada canto teu que vaga pelos campos floridos de meu ser. Eu queria te ver mais uma vez, dizer o quanto melhorei e que me lembro plenamente do que nós éramos.

Quem mais me amaria? Quem amaria alguém como eu? A não ser você.

Quando penso em teu sorriso posso sentir a brisa soprar sobre meu rosto... ainda é a mesma sensação, mesmo que eu não possa mais te ver.

Pergunto-me se você sabia que eu iria enlouquecer quando partisse. Que as pessoas me trancafiariam em um quarto claro, repleto de adesivos de estrelas e de pequenos animais, porém nenhuma flor, nem mesmo um cravo pequenino. Pensei em pedir, mas que direito tenho aqui?

Queria ter levado flores no teu dia especial, que, aliás, foi o pior dia para mim.

Eu fico feliz por ti, mas meu galho sente uma pontada de inveja.

Mesmo com a podridão dentro de mim, a umidade resolveu levar a mais bela flor da floresta, aquela que se destacava com seu sorriso, conhecido como pétala. O cravo com o perfume invejável.

A vida levou você. É. Eles me disseram.

Mas eu não entendo, eu não consigo me lembrar, ainda é tudo confuso.

Eu não o culpo por ter ido embora... Mas eu preciso me lembrar. Eu preciso perguntar a você.

Eu espero que esse objeto em minha mão seja o suficiente para que eu te veja. Se não for, por favor, me espere.

Eu sinto sua falta.

(Bogoshipo)

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