Álgido
Os meus braços suplicaram pelos teus, mas eles não vieram ao meu auxílio. Os meus lábios engoliram um oceano de mágoa eu pensei em clamar por tua volta. E mesmo em meio a todo esse líquido frio eu sentia meu coração fervilhar, pois eu te amei.
Amei como mais ninguém poderia te amar e eu duvido que alguém vá amar assim.
Amei em todas as línguas possíveis, em todos os poemas deixado em tua mesa, em todos os cafés amargo que tu fazias e em todos os entrelaços de mãos enquanto líamos romances bregas sentadas na varanda de minha casa.
E mesmo com tanto sentimento, mesmo com a minha sinceridade, você me puxou.
Eu sabia que tua corda era frágil, que você se renderia em alguma briga, mas eu não sabia que você soltaria a minha corda e me fizesse partir.
Aqui é escuro, frio e molhado.
Você lembra quando eu te contei que sentia medo do escuro? E por isso implorava que você deixasse as luzes acesas? E que eu também tinha medo do fogo, porque, bem… Porque minhas imperfeições foram feitas a ferro e fogo, literalmente.
Minyun. Por que você me deixou?
Eu era uma namorada tão ruim?
Minyun.
Deixe-me entrar.
Ou eu vou descobrir como.
*
As pedrarias arrastadas pelo vento batiam na janela e o leve estrondo soava mais como um clique. Os vidros escuros tinham a função de impedir que os olhos amaldiçoados pudesse enxergar as duass moradores daquela velha moradia de madeira.
A lareira já havia sido apagada com cascalhos do velho lago, assim como mandava a tradição. As velas acesas eram a única iluminação para o casal, cuja luz os guiava para os diversos cantos do casarão. A chuva ainda não começara, mas a brisa que escapava por debaixo da porta denunciava o temporal que estava por vir.
E com ele, a amaldiçoada.
Os pés descalços de Shiah tocavam o chão quente de madeira, que estralavam com o depositar de peso da mulher. Os vestido úmido gotejava sobre o carpete da sala e ela logo se livrou da peça de roupa, ficando apenas com suas roupas íntimas. Ela enrolou o pequeno molhado juntamente com o vestido e arrastou ambos para a cozinha, trancando a porta da mesma. Prendeu o grande cabelo castanho em um elástico escuro e sentou-se no corredor que dividia a sala e a cozinha.
Escutou passos vindo dos degraus da escada e o rosto assustado voltou para cima. Avistou então sua namorada, Minyun. Os fios loiros estavam presos em duas tranças e adornavam o ombro da mais velha. Ela vestia uma blusa de lã branca e sua saia preta, a preferida. Os pés não estavam descalços, uma meia ⅞ preta aquecia aquela parte do corpo.
— Yooa! - A namorada gritou a avistar a outra sentada no chão. — Venha se vestir, ou você vai se resfriar!
— Eu estraguei tudo, Mimi - A voz estava trêmula e carregada de medo.
Antes que Minyun pudesse questionar a preocupação da outra um estrondo vindo de fora provocou um arrepio nos pequenos corpos.
— Yooa… - Disse baixinho. — O que você fez?
A mais nova sacudiu a cabeça em negação e fugiu da namorada, subindo as escadas. A loira ficou sozinha no corredor escuro e olhava ao redor para checar se estava tudo como planejado. Abriu a porta da cozinha e avistou o tapete molhado, que escorria água pelo cômodo. Tapou os lábios com a destra para não gritar e fechou novamente a porta.
A brisa se transformara em vento e o mesmo continuava a entrar pelas frestas da porta, provocando um barulho desconfortante e assustador. Mimi correu para acender novamente as velas cujas chamas haviam sido apagadas pelo vento e as tentou proteger, mas seria em vão.
O relógio de cordas anunciou que as 19 horas havia chegado, e ela soltou um grunhido. Correu até a dispensa e procurou por panos que poderia lhe servir de auxílio e em seguida tapou as frestas da porta do corredor (que ligava a cozinha), da sala e do jardim de inverno. O vento ainda insistia em tentar entrar e parecia que socava as portas para poder adentrar dentro da casa.
— Merda… Justo hoje…
Minyun certificou se o andar debaixo estava protegido o bastante. Fechou as cortinas o máximo que pode e acendeu mais velas para iluminar o ambiente. Os pés duvidosos a guiaram até a escada e ela começou a subir. O corpo cansado impedia que ela se deitasse logo, era como se implorasse para que fechasse os olhos até que o pesadelo acabasse.
A loira arregalou os olhos ao perceber que o andar de cima estava completamente apagado. Algumas velas estavam caídas pelo chão, enquanto outras simplesmente haviam sumido. Ela agarrou o corrimão da escada com a mão esquerda e engoliu seco, não conseguia enxergar direito, apenas os clarões provocados pelo raio é que a ajudavam ver a cena.
Deu o primeiro passo e sentiu a meia do pé direito encharcar. O coração quase saiu pela boca. Água na casa?
— Yooa? - Chamou pela namorada, mas não escutou um murmúrio sequer. — Shiah? Yoo Shiah?
Pôs-se a caminhar no carpete molhado e seguiu imediatamente para o quarto do casal. O cômodo possuía ainda algumas velas, duas para ser mais exato. Uma estava sobre a pequena cômoda ao lado da cama e a outra envolta nas mãos de Yooa, que estava sentada no canto do quarto, escondendo a face entre os joelhos.
— Yooa! - Mimi ajoelhou-se e engatinhou até a amada. — Foi você que apagou as luzes?
A namorada não respondeu. A vela tremia nas pequenas mãos e a parafina escorria pelos dedos compridos da mais nova. Mimi segurou firmemente as mãos da amada e retirou a vela dentre seus dedos.
— Olha para mim, o que aconteceu? Você está me matando de medo.
— Ela disse que você a deixou no escuro, Minyun… - Choramingou. — Disse que você a deixou sem visão alguma…
— Shiah… Amor… O que você está dizendo?
A morena levantou vagarosamente a face, mostrando-lhe o rosto ensanguentado para a namorada. Mimi não teve outra reação a não ser sentar-se sobre as próprias pernas, mal conseguiu gritar, tamanho era o choque.
O sangue escorria dos olhos e caía pelos seios de Yooa. Dois grandes buracos faziam parte de sua face. Ela não enxergava. Estava sem os olhos.
— Mimi… Você me disse que ela era má… - Disse engolindo o próprio sangue.
— Ela quem, Yooa? - Dizia assustada, tentando se convencer de que estava sonhando.
— Ji… Jiho… - Respondeu trêmula. — Ela… Vai fazer… Com que você pague.
O corpo estremeceu mais uma vez. Deixou a vela cair e o fogo queimou a parte superior da coxa, mas ela não se importou. E não teria como. Sentiu a ponta das tranças roçarem por seu pescoço antes que dedos frios e molhados deslizassem por seu pescoço.
— Por favor - suplicou ao sentir o objeto de metal em seu pescoço. — Yooa, pede para ela parar…
— Mimi… - a respiração estava ofegante. — Dói demais estar no escuro.
O corpo da namorada deslizou pela parede até que a cabeça encontrasse uma das bases da cama e repousou. Respirava ofegantemente, mas não tinha forças para mudar de posição.
— Yooa… Por favor, não morra… - Disse baixinho.
— Ela não vai morrer. - Uma voz fina disse próximo a seu ouvido. — Ela já pagou por seus erros, agora você é quem precisa pagar.
— Jiho… Não…
— Você me deixou sozinha, Minyun… Sozinha no lago…
A faca rasgou uma vez o pescoço da loira, mas não fora o bastante para fazê-la sangrar. Duas… Três… Quatro vezes até que o sangue começasse a escorrer pela blusa de lã branca, agora vermelha.
O corpo da loira foi ao chão, as mãos foram em auxílio do pescoço em uma tentativa de estancar o sangue que jorrava ao redor. Manteve os olhos abertos para observar a namorada que ainda estava encostada sobre a cama.
— Yooa…
Um filete de sangue e saliva escorreu pelo chão quando lhe faltou respiração. O corpo ainda tremia, mas parou de se contorcer ao avistar mais uma vez o fantasma que a perseguia.
— Agora não estou mais sozinha no escuro.
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