Roxo esmeralda



Um.
Dois.
Três.
O murro encontrou minha face. Minhas bochechas são um perfeito saco de pancadas para aquele aprendiz de boxe. Não só as bochechas, mas o todo meu corpo, os ombros, o peitoral, a barriga... E não era apenas a mão fechada e pesada que ia de encontro a minha pele branca - repleta de manchas roxas e esverdeadas – mas também os pés, cotovelos, joelhos, todos os membros que tinham o poder de agredir e machucar.
Enquanto ele me batia não doía, não na hora. As lágrimas eram tantas, mas não de dor, de tristeza. Parecia que as gotinhas que rolavam de meus olhos tinham o poder de anestesiar aquele momento. Era uma proteção. Minha cabeça doía, mas não por ir de encontro ao guarda roupa, eram meus neurônios queimando para pensar em uma boa desculpa.
"O que vou dizer amanhã no serviço?"
Chegava a um momento em que eu não sabia mais o porquê estar apanhando tanto. Eu mal conseguia pensar enquanto estava estirada no chão cuspindo sangue pelo quarto. O que eu havia feito dessa vez? Foi porque eu estava vestindo a blusa vermelha que ele havia me dado para usar somente quando fôssemos sair? Ou foi porque eu prendi meu cabelo de um jeito diferente? Ou porque eu conversei com padeiro antes de sair da padaria? Onde será que ele havia me espionando dessa vez?
Sabe-se lá Deus como ele consegue parar. Sabe-se lá qual milagre é derramado sobre mim nesse momento, porque ele parece uma máquina, que foi criada para destruir, para me destruir. Meu anjo da guarda deve ter tanto trabalho cuidando de mim, fico imaginando ele tentando segurar os socos com suas pequeninas mãos, será que tem força? Deve ser Deus mesmo que interveio. Desculpa Deus, por chamar tantas vezes os seu nome, você deve ter tanta coisa para fazer, não precisa atender aos pedidos de uma condenada como eu... Não precisa Deus...
Aqueles que me conhecem sabem de tudo o que sofro, e são poucos os que me conhecem, só aqueles que ele aprova. Só pode ser meu amigo se ele aprovar, só posso adicionar no facebook se ele permitir, aliás, mal posso entrar no facebook. Whatsapp? Não tenho isso não, mas ele tem, ele precisa de whatsapp para trabalhar...
Ah, trabalhar? Eu trabalho sim, fico enfiada no escritório das sete da manhã até às cinco da tarde, para ajudar minha mãe e também sustentar meus filhos. São três: Lucas, Letícia e Laura. Nenhum deles tem mais que 15 anos, são meus tesouros especiais, que eu não posso deixar ou abandonar. Mas com três filhos e uma mãe doente é difícil manter uma casa com apenas um salário mínimo. Por isso aguento os socos, as ameaças e também todos os desaforos que são cuspidos na minha cara, porque não depende só de mim.
“Denuncie, seja forte”. Ora, mais forte do que já sou? Sou como uma barra de ferro, por mais que ele tente me esmagar e me modificar, somente o fogo em temperatura altíssima pode me destruir. E ele não é fogo, não pode ser algo quente quando o coração é frio como uma pedra, assim o órgão já teria se derretido, e eu estaria salva.
Enquanto isso, reboco minha face e outras partes visíveis do corpo com maquiagem, apesar de alguns hematomas tornarem-se verdes, eu consigo disfarçar.
"Esbarrei no armário da cozinha".
" O violão caiu em meus ombros".
"Meu filho acertou um brinquedo em minha cara, foi sem querer".
Nunca verdade. Nunca. Quando você está no inferno há tanto tempo, aprende a conviver com as espadas que ficam em sua cabeça e o cheiro de enxofre torna-se até aceitável, pois mesmo com os socos no nariz, o olfato ainda funciona.

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