Algodão

Ela tinha cheiro de algodão.
Sua mão leve repousou sobre minhas coxas, cobertas pela enorme saia de tule e, de repente, tive uma vontade louca de sentir aqueles dedos nos meus.
Estava tudo bem, eu acho. Afinal ela era a minha melhor amiga, e eu podia segurar em suas mãos enquanto assistiamos a apresentação do ballet, era a turma superior a nossa e apenas precisávamos acompanhar o espetáculo, e só. Mas quando minhas mãos tocaram as dela, relutantemente ela se afastou. Seu olhar foi de pleno julgamento, e pude ler seus lábios me dizendo um perfeito "não".
Não consegui me mexer depois disso, estava tão chocada por não poder entrelaçar meus dedos nos dela. Afinal, era o que sempre fazíamos; era o que eu gostava de fazer.
Devo ter parecido tão desapontada, pois segundos depois ela segurou em minhas mãos, de um jeito desastroso, tentando esconder entre as camadas da saia, como se fosse algo proibido. E eu, com minhas vontades crescendo dentro do peito, só consegui beijar-lhe a palma da mão, deixa a marca de lábios rosados, pois meu batom ainda se fazia presente.
Foi então que senti a doçura de suas mãos e seu cheiro de algodão, ela usava aquele hidratante desde sempre, e eu amava.
Deixava-me com vontade de beijar todos os dias as palmas de suas mãos, suas bochechas rosadas, seus ombros à mostra ao usar colant e, principalmente, os lábios cheinhos que me causavam dor no estômago quando eu os olhava demais.
Naquela idade eu não sabia o que era amor, aprendi aos pouquinhos, com beijos no banheiro do estúdio de dança, ou com  entrelaços de dedos por entre as camadas de saia. Fazíamos tudo escondido, pois até naquela época tínhamos medo se que condenassem nossos atos.
Que condenassem nosso amor.
Ah, se eles soubessem quanta ternura há em sentir o cheiro de algodão nas mãos da amada... então talvez não condenariam atos tão puros e singelos; então não condenariam nossa forma de amor.

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