Lampejo

Eu nunca havia entendido o significado da frase “algumas pessoas são a viagem, mas não a chegada”, até o conhecer.

Ele apareceu em uma noite na minha porta perguntando se nós tínhamos um pouco de açúcar para emprestar. O apartamento dele ficava ao meu lado e eu nem sabia da existência daquele garoto, até ele aparecer na minha frente com um curto pijama xadrez e os cabelos bagunçados.

— Minha mãe fez o café sem açúcar e eu não consigo tomar nada forte.

Foi o que ele disse com olhos sonolentos e um sotaque arrastado que me arrancou um riso sincero. Minha mãe logo apareceu na porta e entregou um pequeno saco de açúcar -que já estava pela metade- e sorriu para ele, como se esperasse alguma apresentação. Mas ele apenas agradeceu e sorriu, levando consigo o saco de açúcar e todas as nossas expectativas de uma apresentação.

Eu o vi naquela mesma tarde. Viera devolver o açúcar, alegando que sua mãe saíra para as compras e que não precisava mais do nosso. Ele agradeceu diversas vezes e pediu desculpa por devolver daquele jeito, e ainda contou que sua mãe não o deixara usar o açúcar, pois era falta de respeito. Minha mãe, mais uma vez na porta ao meu lado, disse que não havia problema algum usar o açúcar, mas  parecia abatido por ter cometido aquele ato. Como forma de “alegrá-lo”, o convidamos para tomar café da tarde conosco; era apenas um bolo de cenoura com café.

Ele não aceitou, claro. O rapaz parecia um animalzinho indefeso que calculava os movimentos para fugir do predador. Ele tinha olhos rasgados – iguais ao nossos – porém, pelo sotaque, parecia ser fora, e isso aguçava a curiosidade de minha mãe e eu.

Nós tínhamos poucos amigos naquela região de Chicago. Depois que meu pai faleceu as pessoas se afastaram de nós, principalmente os parentes paternos. A família da minha mãe era pequena e nossa mesa de natal era composta por quatro pessoas, minha avó, minha mãe, o jardineiro espanhol da minha avó e eu. Então todas às vezes que alguém se mudava para um dos apartamentos minha mãe redobrava a atenção a fim de fazer amizade, mas os vizinhos se cansavam de nós facilmente, pois a carência irritava. De certa maneira eu entendia, por isso nem experimentava tentar me aproximar das pessoas, o que resultava em ficar trancado dentro de casa após a aula, estudando, jogando vídeo game ou assistindo (novamente) os filmes do Tarantino na Netflix.

Mesmo após ele ter recusado participar do café da tarde nós partimos o bolo e entregamos um pedaço. Seu rosto ficou tão vermelho e eu pude vê-lo engolir seco. O rapaz estava claramente desconfortável e eu acabei ficando também. Agradeceu pelo bolo e disse que precisava ir. E foi.

Semanas mais tarde descobrimos que tinha diabetes.

Fazer amizade era tão difícil! E seria ainda mais difícil se minha mãe e eu continuássemos dando “furos” assim. 


-x-

 Dezembro estava chegando e resolvemos enfeitar a entrada do apartamento, mesmo sabendo que as mesmas pessoas viriam nos visitar. Minha mãe trouxe “pisca-pisca” da loja em que trabalhava -os mais baratos para não descontarem muito de seu salário- e tiramos da velha caixa natalina nossa pequena árvore e enfeites.

Nós gostávamos do natal, porque, de certa forma, sentíamos mais próximos e compartilhávamos sentimentos nostálgicos. Memórias entre meu pai, ela e eu sempre surgiam enquanto tomávamos chocolate quente nas noites frias de dezembro em Chicago.

Mas a conversa de minha mãe e eu sempre seguia um rumo do qual eu odiava falar: a faculdade. Ela sabia que eu não estava pronto, mas mesmo assim insistia em dizer que eu precisava ir para uma faculdade e ter minha independência.

Eu não estava pronto.

Ponto.

Mas então ela continuava a dizer que um dia não estaria mais aqui para me proteger. Eu sempre vi da maneira contrária. Eu sempre pensei que protegia minha mãe. Sempre imaginei que ela estivesse grata por eu dobrar meu horário de trabalho no cinema ou por ir busca-la todos os dias na lojinha em que ela trabalhava. Ou por preparar todas as refeições, todos os dias. Eu imaginava que manter a casa em ordem, trabalhar e dividir as contas (“dividir” já que meu dinheiro ia todo para ela) era o bastante, mas minha mãe sempre queria mais. Ela sempre esperava mais de mim. E eu não tirava a razão dela, pois até quando eu ficaria trancafiado dentro de casa com medo do futuro?

— Eu só quero que seja feliz, filho. Faça o que for preciso para atingir essa felicidade. Não tenha medo do futuro, ele é inevitável.

Inevitável.

Às vezes eu tinha vontade de acabar com a minha vida só para não ter que viver o que o destino havia preparado para mim.

Eu odiava o desconhecido.


-x-


Ele apareceu um dia no cinema. Sozinho. Reconheceu-me na bilheteria e sorriu.

— Oi, vizinho.

Foi tudo o que disse antes de pegar o ingresso para o filme alemão que estava em cartaz. Ele era o único da sessão, claro. Eu nem tive tempo de responder, pois pegou o ingresso e apressou-se para comprar pipoca. Logo seus pés foram guiados até a sala do cinema e eu o perdi de vista.

A sessão do filme parecia durar uma eternidade. Todas as outras salas já haviam encerrado a sessão, menos a do filme alemão. Eu já havia organizado os alimentos na dispensa e varrido o hall de entrada (onde parecia um ímã para pipocas), mas o filme continuava rodando.

Eu estava tão curioso (que feio da minha parte, mas eu não pude resistir) que subi até a cabine de reprodução e, minuciosamente, o observei pelo vidro daquela sala, que dava de frente para a sala de cinema. Ele estava tão concentrado no filme que não havia nem tocado em sua pipoca. Em sua mão havia um pequeno bloquinho e ele segurava um lápis. Conforme as cenas rolavam ele fazia uma anotação ou outra e em seguida assentia com a cabeça, como se tivesse entendido algo.

A princípio senti receio, mas era apenas algo corriqueiro, eu sempre tinha medo do desconhecido. Em seguida fiquei boquiaberto. Ele era tão esquisito. Estava assistindo um filme alemão, anotando em um pequeno bloco (no escuro do cinema) e comprou pipoca para não comer. 

O que era aquele cara afinal?

Sacudi a cabeça para afastar aqueles pensamentos curiosos e saí da sala de exibição. Voltei para trás do balcão da pipoca e aguardei. Não haveria nenhuma outra sessão e eu nunca havia ficado até aquele horário, pois ninguém assistia ao filme alemão que estava em cartaz. Resolvi pesquisar sobre o filme e descobri que “Toni Erdmann” era uma comédia e que, além de receber diversos prêmios importantes, havia sido indicado ao Oscar de 2017.

Soltei um “uau” baixinho e depois sorri. 

Continuava a pensar no tipo de pessoa ele era, mas por mais que minha mente queimasse em pensamentos, eu nunca conseguia deduzir o que ele era afinal.

— Desculpe, eu não sabia que você ficava sozinho.

Dei um pulo. Eu nem o percebi chegar. Ele estava parado a minha frente segurando o pote -vazio- de pipoca e, na outra mão, o bloquinho de anotações.

— Oh, não se preocupe. – Levantei-me correndo para ir até a sala de exibição. — É o meu trabalho afinal.

— Ah, mas me sinto mal por você ficar até tarde... – Ele me seguiu até a sala de exibição e observou enquanto eu desligava os aparelhos. — Isso parece ser bem divertido.

— São bem simples de usar, na verdade. – Sorri saindo da sala e apagando as luzes. — O que mais me chateia aqui são as pipocas que o pessoal derruba no chão, não é nem pelo trabalho por varrer, mas parece que eles fazem de propósito.

Ele não disse nada. Apenas assentiu com a face e um riso bufado e depois silenciou. Eu continuei andando pelo cinema para trancar as salas e terminar de ajeitar os objetos fora de lugar.

E ele me seguiu.

Eu não sabia o que dizer, então apenas aproveitei a sua presença, era um record tê-lo ao meu lado por tanto tempo.

— Você precisa de alguma coisa? – Disse enquanto entrava no balcão de alimentos. — Eu vou fechar aqui.

— Oh não! – Ele sorriu mais uma vez. — Tudo bem... na verdade eu... – Ele desviou o olhar. — Queria te oferecer uma carona até nossa casa. Não! Nosso apartamento... não!! Ai... é que... – Ele estava tão vermelho quanto o carpete da entrada do cinema. — Você quer uma carona até sua residência?

Seus olhos encontraram os meus e eu consegui enxergá-lo pela primeira vez. Aquele era ele; ou a primeira impressão que eu tinha. Atrapalhado. Esquisito. Bonito. Muito bonito.

— Tudo bem, eu aceito sua carona. – Sorri e as bochechas dele ficaram ainda mais vermelhas.

Os lábios dele soltaram um leve suspiro e os ombros perderam a tensão. Foi a minha vez de desviar o olhar. Eu não aguentaria olhar para ele por muito tempo. Ou minha curiosidade aguçaria ainda mais.

— Se você quiser... – Ele voltou a falar e eu o encarei. — Podemos dar uma volta. Eu adoro ver os enfeites de natal. As pessoas começam a enfeitar bem cedo aqui... afinal estamos em novembro. – Brincou.

Assenti. O natal para mim sempre fora o mesmo e eu sabia de cor o significado, mas com ele seria diferente, eu tinha certeza disso.

Antes eu pudesse evitar o sentimento que estava prestes a desabrochar.


-x-


Era 5 de janeiro, o dia em que -geralmente- as pessoas retiravam os enfeites de natal e guardavam no sótão ou no porão para serem usados no próximo natal, atividade que parecia ser interessante. Então lá estávamos nós, andando pelas ruas do bairro observando os moradores guardando seus enfeites de natal. Dois jovens poderiam ter outra atividade em um sábado ensolarado (em meio a um dia de neve), mas não nós, pois ele queria ver os enfeites de natal sumirem um a um.

Ele tinha certas manias diferentes. Eu não vou dizer esquisitas ou estranhas, pois havia me ensinado que não podemos julgar aquilo que não conhecemos, ou que não concordamos. Além de ser apaixonado pelo natal americano, ele gostava de filmes europeus. Sempre descrevia as cenas dos seus filmes favoritos enquanto resumia-os para mim, e nem se importava em poupar os detalhes das cenas de sexo. Eu morria de vergonha, mas ele se encantava em ver como eu ficava embaraçado. De início eu me segurava e fingia que estava tudo bem em ouvir frases tão picantes e bem descritas das cenas, mas com o tempo eu me deixei levar.

E ele parecia gostar.

Tinha diabetes, mas adorava comer. Embora não pudesse, sempre escapava da sua “dieta” para comer um donuts da padaria próxima ao cinema; o de doce de leite era o seu preferido. Ele odiava aplicar insulina, pois tinha medo de agulhas. Sua casa não tinha televisão, mas a tela de seu computador era praticamente uma TV; e ele preferia baixar ou comprar os filmes do que assistir na Netflix, pois dizia que filmes precisavam ser guardados com muito apreço. Em seu quarto havia uma coleção de dvds e vhs que ele cuida com muito carinho. A maioria guarda em si conteúdo europeu, porém ele era um viciado em dramas coreanos e chineses.

Amava o cinema.

Nossa amizade começou assim: cinema. Depois que ele apareceu para o filme alemão, nós começamos a nos ver com certa frequência. Eu o convidei uma vez para ver o filme antes de entrar em cartaz, pois no cinema recebíamos o filme antes da estreia. Ele aceitou prontamente e sempre que algum filme novo chegava eu o convidava, principalmente os filmes estrangeiros que apareciam toda a semana.

Começou a aparecer todas as noites em meu trabalho e nós sempre voltávamos juntos para a casa. Na véspera da véspera do natal roubou-me um beijo enquanto nos despedíamos na porta de casa. Foi tudo tão rápido que eu não tive nem chance de corresponder ao selar, e quando eu me dei conta ele já havia se trancado no apartamento.

Não nos vimos até o dia 31 e eu tudo o que eu conseguia pensar era em seus lábios gelados tocando os meus. Eu me perguntava se meu rosto havia se corado demais ou se eu estava com bafo, pois ele se afastou tão rapidamente...


E depois sumiu.


Talvez essa seja a mania que eu mais odiava nele. Ele sumia e aparecia de surpresa. Mandava mensagens no meio da noite com pôsteres de filme, perguntando-me se entrariam em cartaz... mas depois sumia. Sumia por horas. 

Quero dizer, ele deveria ter suas coisas para fazer, porém eu não sabia nada de si.


- Gostava de cinema europeu;

- Gostava do natal;

- Era estrangeiro;

- Tinha lábios macios.

Quando apareceu na minha casa, naquele sábado ensolarado de janeiro, eu sabia que algo estava errado. Comigo, é claro. Quando eu abri a porta para recebe-lo eu senti que meu coração saltaria a qualquer momento em nossa frente, ou que eu iria trazê-lo para os meus braços e jamais soltaria.

Eu nunca havia amado alguém. Meus relacionamentos foram um fiasco. Eu cheguei a pensar que era assexual e arromantico, pois não sentia atração por ninguém.

Eu me sentia estranho.

Mas era diferente. A voz dele ecoava em minha mente quando ele dizia aquelas coisas sujas dos filmes europeus, os olhares sacanas enquanto conversávamos sobre qualquer coisa fazia o meu corpo estremecer, e eu não conseguia parar de pensar em seu beijo, mesmo que fosse apenas um selar roubado.

Estávamos em seu carro observando as pessoas retirarem os enfeites. Era engraçado, pois a maioria dos moradores estavam reunindo -ao mesmo tempo- os enfeites do jardim, alguns guardavam as luzes dentro de caixas de papelão e outros jogavam fora as árvores que haviam comprado somente para aquele feriado. Nenhuma delas possuía os mesmos enfeites, mas todas, de alguma forma, estavam unidas em um ato de “desfazer” o adorno.

Eu nunca havia prestado atenção nisso, não até ele comentar. Dizia que havia uma espécie de tradição católica -da qual eu nunca havia ouvido falar- em que as pessoas retiravam o enfeite no mesmo dia para representar o fim “do ciclo do natal”.

Parecia o maior papo furado, sei lá, poderíamos estar falando de vídeo games ou de qualquer outro assunto, mas eu acho que qualquer coisa que me falasse atrairia a minha atenção. Ele tinha um certo dom de me fazer paralisar enquanto falava, toda atenção era dele. Eu me perdia direitinho no timbre de sua voz, nos dedos que tiravam a franja da testa e na língua que percorria os próprios lábios enquanto ele fazia uma pausa na explicação para poder respirar.

Remetia-me a fortes clarões que nos cegam por um momento, mas que os nossos olhos se acostumam em questão de segundos e depois observam de diversos ângulos para poderem enxergar novamente. Então os olhos percebem que não é somente uma luz; descobrem de onde ela vem. Um objeto. Um reflexo do espelho. Uma lâmpada. Raios descontrolados de sol. Não é apenas uma luz, é algo com algum propósito, algo que não quer só brilhar; mas que tem algo a mostrar.

Eu me perguntava que tipo de situação gostaria de me mostrar. Ele era uma luz, fora luz sobre minha vida, que me arrastava para fora de casa e me fazia engolir ideologias e mastigas novos pensamentos. Ele estava me mudando. 


-x-


Os olhos dele reviravam quando ele tinha um orgasmo.

Eu tinha que tapar seus lábios com minha destra enquanto o penetrava fortemente, pois ele gemia sem pudor algum e eu temia acordar minha mãe na madrugada.

Ele me provocava. Ah, como provocava. Prometia que iríamos dormir tranquilamente depois de um sexo silencioso, mas algo despertava dentro de si e ele tinha que colocar para fora.

E eu era a vítima.

Seu pequeno corpo tentava fazer todo o trabalho, mas ele se rendia rápido aos meus toques, as minhas mordidas e sucções em lugares estratégicos. Enquanto tentava me dominar, eu o dominava, desarmando todos os truques e provocações que ele preparava para mim.

Eu o tinha em minhas mãos, mas mesmo assim não conseguia controlar as batidas de meu coração. Ele sempre pedia por mais; sempre sussurra ao meu ouvido o quanto gostava de estar ali; o quanto gostava daquele toque.

Já fazia quatro meses que dormia em minha casa todo o final de semana; mas sempre era a mesma coisa. Ele sempre dormia com a cabeça por cima de meu corpo nu; ele sempre era vencido pelo cansaço.

Ele sempre dizia eu te amo quando eu beijava o topo de sua cabeça.

Era tudo igual, mas ao mesmo tempo tão diferente.

Tão intenso.

Toques semelhantes, que provocavam sensações diversas.

Ele dizia que aquilo era algo do amor. Que primeiro nos apaixonamos por nossas almas e agora dedicávamos a paixão pelo corpo. Eu concordava e o amava mais intensamente; com todas as minhas forças.


-x-

As minhas férias no verão de julho tiveram início próximo ao dia 7. Ele e eu havíamos combinado uma porção de viagem, pela região mesmo, e havia uma lista de filme que iríamos assistir durante o meu período “à toa”. Ele também estava de férias da faculdade de cinema e poderia aproveitar comigo.

Seria perfeito.

Quando eu cheguei em casa naquela noite de sexta-feira eu apenas esperava pelo melhor.

Havia sangue no chão da minha sala. Minha mãe estava desesperada gritando no telefone e pedindo por socorro. Eu segui o rastro de sangue, que ia da sala, cruzava o corredor e acabava em meu quarto. Minha mãe atrás de mim puxava o meu ombro, pedindo que eu esperasse, pois “ele não está bem”.

No quarto, mais sangue. Ele estava caído ao lado de minha cama. Eu fui ao chão na hora, trazendo-o para o meu peito. Seus olhos abertos fixavam os meus e de seus lábios apenas murmúrios soavam aos meus ouvidos. Sorriu.

Seu pescoço estava sangrando e eu não entendia o que estava acontecendo, havia cortes espalhados por todo o seu corpo, cortes com certas cicatrizes que eu não conseguia decifrar.

Fechou os olhos e eu ouvi seu último suspiro.


-x-


Minha mãe quase não se lembra da existência dele. Às vezes flashes lhe invadem a mente e ela chora. Chora copiosamente sentada na minha cama. Ela pede perdão por não poder ter feito nada, eu apenas balanço a cabeça em negativo e complemento com a frase “não poderia ter sido diferente”.

Se não fosse pela maldita falta de açúcar naquela noite da mudança, ele e eu nunca teríamos existido. Ele nunca teria existido para mim e eu não teria memórias tão vivas caminhando por meus pensamentos mais dolorosos.

Demorou para que eu entendesse o que estava acontecendo. E quando eu compreendi me perguntei o porquê de tudo aquilo ter acontecido comigo; logo eu.

Meu mundo trancafiado foi aberto pela presença dele. Quando eu permiti que ele adentrasse e apresentasse toda a luz que irradia a vida... bem... foi o erro mais certeiro que cometi.

Ele não existia. Não mais. Nunca vivera no mesmo plano que eu, pois já havia partido há tempos. Estava morto. Não era um espírito ou algo do tipo, era apenas uma alma que teve a chance de vagar mais uma vez em um plano diferente; para que pudesse acrescentar algo.

Nada acontece por acaso; o universo não prega peças.

E após unir todas as amarras, após juntas todas as pistas e me abrir completamente, eu encontrei. Encontrei a pequenina carta que ele deixou dentro da lâmpada de meu abajur.


Você lembra-se dos filmes sobre amores atemporais?

Eu não acreditava que poderia acontecer, não até o universo me apresentar você.

Desculpe não ter contato sobre isso, mas eu me apaixonei profundamente e tudo o que eu pensava era em viver cada minuto ao seu lado.

Eu o amei nesse plano, e espero que o universo possa nos unir novamente. T.

 

-x-


Até mesmo amores atemporais têm o tempo certo para aparecer.

O amor é exatamente como um lampejo. Um brilho momentâneo, que é preciso ser analisado com cuidado para não ficar cego; é preciso olhar com cuidado para o objeto que emite a luz. Qual mensagem carrega consigo?

Ele fora um lampejo; fora faísca; fora o caminho.

Mas não a chegada.

E eu só tinha a agradecer pelos beijos doces, pelas sessões de cinema na madrugada, pelos gemidos de prazer e por todas as vezes que ele segurou na minha mão em um passeio pelas ruas de Chicago.

É o que eu sou capaz de fazer: agradecer.

Agradecer por amar.

Agradecer por ser amado.

Agradecer por sua grandiosa luz que não me cegou, pelo contrário, me fez enxergar as possibilidade que a vida me apresentava.

Fez-me enxergar.

Agora sei quem sou.

E que dentro do espaço tempo sou muito amado.


-x-


— Ele foi o melhor aluno da turma de 2012.

— A família dele morreu em um acidente e quando ele soube, cometeu suicídio. – Coçou a garganta após dizer a frase. — Ele era um garoto cheio de problemas, mas muito esforçado. Usava suas tristezas em seus roteiros e fazia ótimos trabalhos.

Eu segurei o livro com todo o apreço possível. Agradeci por ter me ajudado a fazer a limpeza naquele armário e por ter me deixado ficar com o caderno de um aluno morto. Ele continua a repetir que “era estranho demais” eu querer ficar com aquilo, mas eu nada respondi.

Assim que me vi sozinho, abri o caderno para relembrar a letra dele.

Encontrei na primeira página a imagem de uma lâmpada enorme. Virando-a, piscas-piscas adornavam os cantos da página e a enorme palavra “LAMPEJO” estava cravada ao meio. Senti meu corpo estremecer e engoli seco. Virei a página e um texto veio a seguir.

“Tinha dentro de si todos os medos do mundo, que o aprisionavam dentro de sua casa em meio aos filmes do Tarantino”.

Não consegui retornar a leitura. As lágrimas começaram a cair e eu suspirei.

— Sentiu minha falta?

Um sussurro ao pé do ouvido tomou conta de meu ser.

De repente: a luz.




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