Um buquê para você

Hanahaki é uma doença literária, onde o indivíduo sofre de amor unilateral. 

Após ter o coração partido, flores começam a crescer dentro de si. 

A principio vomita-se as pétalas das flores favoritas da pessoa amada. em seguida, vomita-se uma flor por inteiro. e por último, um buquê; este último estágio leva à morte. 

Há duas formas de se livrar da doença: fazer uma cirurgia no coração e retirar todas as flores, porém com ela se vão todas as memórias da pessoa amada.

Ou morre-se de amor. 

Literalmente.


***


Eu sabia que nada estava certo quando não consegui dormir mesmo com os remédios. Meu corpo não se acomodava na cama e eu sentia fortes dores. Precisei levantar. E foi quando me sentei na cama que senti o primeiro arranhão na garganta.

Um enjoo. Uma tosse forçada. Parecia que havia um fogaréu queimando meu pescoço e eu me desesperava. Meus joelhos caíram ao chão de de quatro apoios eu vomitei.

O tapete abrigava uma saliva grossa e escura. É preciso acender a luz do abajur para perceber que ali há o meu sangue, mas mais do que isso, há uma pétala branca.

Uma pétala de rosa branca.

A sua flor favorita.

 *

Vomitar pétala não é algo comum. Afinal eu não havia comido uma rosa. Pouca parte da ciência estudava e entendia a respeito dessa doença.

Foi então que eu descobri que estava morrendo.

Havia vomitado mais que uma pétala; na verdade naquela noite eu vomitei uma frustração enorme, a qual carregava em meu peito há muito tempo. Já estava cansado de checar o celular e perceber que não havia mensagens suas.

Antes de deitar eu deletei o seu contato e todas as mensagens antigas. Eu não queria mais essas lembranças.

Eu poderia deletar todas as fotos e sumir das redes sociais para não te encontrar, mas eu não conseguia fugir do meu ‘eu’, que é onde você está.

Ah, você plantou tanto sentimento em mim e cuidou tão bem de meu coração que agora rosas brancas estão crescendo dentro de mim.

Eu não consigo ter uma refeição decente, pois as pétalas insistem em sair.

Sangra. Incomoda. Arde. Dói.

Flores não são tão delicadas assim; ainda mais se elas estão vindo de um amor não correspondido.

O que você fez comigo?

* 


Tirei o tapete do quarto e da sala. O apartamento está forrado com jornal. Está uma bagunça.

Eu não consigo ir para o trabalho, e também não há como explicar o que está acontecendo comigo, pois tenho medo que ele me internem e realizem procedimentos em mim… 

Será que muita gente morre de amor?

O amor é sempre a pauta principal na jornada de nossas histórias, não é mesmo? O amor pode levar a felicidade plena ou nos afogar em um poço sombrio e profundo. Pode rasgar nosso peito para preencher com sentimentos bons, ou pisotear em nosso coração até que ele dissipe no inferno.

O amor é bondoso, mas também é cruel.

E está sendo cruel comigo.

O amor está me matando.

Hoje eu vomitei pétalas a cada cinco minutos. Eu não consigo nem falar, pois minha garganta dói demais, e eu nem tenho cabeça para formular frases.

Eu não sei o que fazer. Por que essas pétalas continuam vindo? Por que elas insistem em trazer mais lembranças de você?

*


Acordei com uma rosa inteira ao meu lado.

Eu não me lembro de tê-la vomitado, mas eu consigo sentir o estrago que os espinhos fizeram em minha garganta. O branco da rosa mistura-se com o vermelho intenso de meu sangue e ela parece estar pintada propositalmente.

Queria entregar essa flor à você. Ela é bonita.

As lágrimas escorrem sem cautela alguma e eu me permito soluçar. Ah! É tão patético! Eu, sentado no chão de meu quarto, em meio a jornais velhos, sangue e uma rosa que saiu de dentro do meu peito.

Isso é clichê demais, mas é real.

Sufoca e me prende.

Eu sinto que vou morrer logo.

Talvez tudo isso seja uma punição por amar alguém mais do que a si mesmo… Talvez tudo o que está acontecendo comigo não seja real, e eu esteja delirando…

Eu devo estar no inferno. É, quem sabe eu já morri e eu nem saiba disso. Afinal eu não consigo distinguir certos objetos… 

* 


Finalmente consigo me levantar dentre os velhos jornais. Deixo 3 rosas brancas caídas entre os sangues de meu coração e abandono o quarto mórbido.

A luz do banheiro queima minha retina, mas eu agradeço por saber que ainda consigo sentir.

Isso quer dizer que estou vivo.

A imagem que o espelho reflete não representa nada do que eu sou. Meus lábios estão sujos de sangue, meus cabelos emaranhados e os olhos roxos e profundos. A minha camiseta do pijama contém respingos de sangue e eu só consigo sentir nojo de mim.

O amor é uma doença e eu sou paciente dele.

A água corrente não é capaz de limpar toda a tristeza e angústia que há em mim. Ela pode disfarçar a face cansada, mas nunca poderá esconder a grande frustração de um amor não correspondido.

“Eu odeio você”.

Eu me odeio.

Sinto o bolo de novo. Os espinhos estão rasgando minha carne e destruindo minha garganta; eles são capazes de rasgar até mesmo o meu céu da boca e minha língua.

Abro os lábios e deixo que a rosa caía sobre a pia. Ela está diferente, parece maior e seu caule certamente é mais comprido.

Respiro.

Outra dor.

Dessa vez duas rosas escapam de meus lábios. E o sangue continua a jorrar na pia.

Eu não estou triste. Eu sei que estou morrendo. Mas não há tristeza em mim. O que eu posso fazer? Aliás, o que eu poderia fazer?

Você partiu…

Eu não seria capaz de amar outra pessoa. O meu coração desabrochou somente para você. Bem, não é como se eu tivesse te escolhido ou algo do tipo… Eu só… sabia que era você.

Assim como eu sei que você gostaria de todas essas rosas, pois elas vêm - literalmente - do meu coração.

*


Eu sinto muito por não ter levado rosas para você, mas eu não fui capaz de te olhar naquele dia. Dizem que é importante ter lembranças, mas eu não queria ter comigo essa imagem de ti, ainda mais sabendo que ela seria a última.

Eu queria ter me despedido.

Eu queria ter te levado flores.

Eu queria ter beijado seus lábios - mesmo que frios.

Ah, eu queria tantas coisas!

Queria, inclusive, que você estivesse vivo. Queria ter você aqui e te entregar rosas.

Elas me rasgam, mas eu não me importo. Eu me rasgo por ti assim como você se doou por mim. Assim como construímos nosso relacionamento.

Eu sinto sua falta.

Talvez seja por isso que o amor me providenciou essa situação.

 


Para que eu me encontre contigo.

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